Waleed Abu al Khair, advogado saudita defensor dos direitos humanos, detido no mês passado, após a quinta vista de seu julgamento, por várias acusações, entre elas “romper a lealdade com o governante e desobedecer-lhe” e não respeitar as autoridades. Escreveu este texto justo antes de ser encarcerado.

Escrever enquanto espero entrar na prisão é como despedir-se de entes queridos antes de empreender uma missão difícil e arriscada em um lugar longínquo. Não sabes sequer se conseguirá regressar ou se voltará a vê-los algum dia.

Escrevo estas palavras enquanto espero o momento em que a polícia chame e me convoque para cumprir uma pena de três meses de prisão. Mas meu encarceramento poderia prolongar-se por anos, pendente do resultado de outro julgamento por acusações políticas mais graves.

Enquanto escrevo, as ideias se amontoam na minha mente, deixando um único frágil rastro de palavras incisivas, diretas e sinceras. Estas são as palavras que me vem à mente há sete anos, quando embarquei pela primeira vez na viagem do meu trabalho pelos direitos humanos.

 “Odeio alguém?” Pergunto-me, sobretudo aos que insultam a mim e a minha família, usando as palavras mais cruéis, no curso das investigações. Odeio os que me impuseram durante anos a proibição de viajar sem nenhuma razão legal? Odeio o juiz que ordenou que me encerrassem apenas porque assinei uma declaração na qual pedia julgamentos justos? Ou deveria odiar o príncipe herdeiro, cujos emissários me ameaçaram constantemente de me prender durante anos se não assinasse uma declaração jurada? Odeio os homens religiosos que redigiram informes atrozes sobre mim para as agências de segurança, cheios de mentiras e proclamando que eu era um apóstata? Ou deveria odiar as pessoas que assinam com pseudônimo nos meios de comunicação para poder mentir sobre mim e minha família e assim macular ainda mais minha reputação?

Busco no mais fundo do meu coração e vejo que não guardo ressentimento de ninguém. Dou-me conta de que, pelo contrário, lamento por eles, como lamento pelos que decidiram renunciar a sua liberdade, como o alcoólico que vaga sem rumo após entregar voluntariamente sua mente à bebida.

E me pregunto se estou preparado ou não para o que vai ocorrer. Neste momento concreto, recordo minhas razões e que a vida tem um objetivo; recordo, sim, que os que viveram para alcançar objetivos nobres e elevados têm tido mais capacidade para enfrentar as dificuldades e supera-las. Recordo sim, que se perco estas razões morrerei; no melhor dos casos, estarei no caminho da degradação. Na Arábia Saudita vivemos um desafio especial: o desafio de sermos livres e de sermos donos de nós mesmo, de nosso próprio ser interior, bem como o de ser um defensor dos direitos humanos ante um poder político que emprega todos seus recursos e sua capacidade para dominar o poder judicial e enviar-nos a prisão e silenciar nossa voz. Esse desafio não é o único, no entanto. Há um desafio social ainda maior, pois sofremos as consequências do extremismo e o estancamento que as autoridades políticas desejam perpetuar para reforçar sua própria legitimidade. As autoridades combatem estas questões, mas ao mesmo tempo tratam de mantê-las vivas para fomentar a sensação interna de que a sociedade sempre vai necessitar delas. Confiam em demostrar que o mundo não tem intenção de pressioná-las enquanto estiverem ocupadas combatendo o extremismo, como afirmam, enquanto proporcionarem petróleo às superpotências.

Assim, a nação se reduz a um materialismo vazio de significado. Enquanto o mercado petroleiro permanecer fluindo, o mundo vai fechar os olhos para o fato da Arábia Saudita continuar reprimindo a liberdade e os direitos humanos.

A exceção aqui implica um tipo de pessoa muito espiritual que sofre muito aos olhos dos demais, mas que no fundo se sente exultante e claramente feliz. Sentem-se assim simplesmente porque se apegam a grandes esperanças: resistem diante de todas as dificuldades. Contam com o apoio de ativistas pelos direitos humanos de todo o mundo e se sentem abrumadas por sua bondade e solidariedade. Uma delas disse uma vez diante de um tribunal, após ter sido ameaçada com o cárcere pelo juiz que o presidia: “Mesmo na prisão, uma vela pode ser acesa”.

O doutor Abdullah al Hamid está agora na prisão junto com seus camaradas no trabalho pelos direitos humanos. São a luz que brilha nessa escuridão. As estrelas não são vistas à luz do dia; os companheiros apenas brilham na escuridão da noite. Brilham contra a escuridão e a opressão como lutadores pelos direitos humanos, a paz social e uma pátria mais gloriosa e soberana.

As pátrias podem se encontrar aprisionadas da noite para o dia em conflitos muito difíceis; também podem converter-se em companheiras por eleição que nunca te abandonarão nem te decepcionarão. Este é o caminho de todos os camaradas e amigos, pois amam a liberdade e trabalham para ela de corpo e alma.

Posto que a liberdade se cultiva, suas sementes são todos aqueles que têm feito grandes sacrifícios e converteram o céu no limite dessa força. Criaram uma sensação de paz interior para si mesmos que apenas eles podem entender. Por isso voarei alto com eles, mesmo entre grades. Na prisão nunca necessitarei de uma janela que se abra para o céu. Não necessito uma porta para explicar-lhe ao mundo porque estou na prisão. O que necessito de verdade está dentro de nossas consciências e de todas as consciências livres.

Sempre haverá almas livres neste mundo as quais o petróleo não silenciará.