terça-feira, 12 de agosto de 2014

Xavier, A saga de um quilombola maranhense

Diogo Cabral- advogado popular, assessor jurídico da CPT/MA e FETAEMA


Xavier Casanova tem 53 anos. Quilombola de Lago do Côco, município de Matões do Norte, região do Vale do Itapecuru, no Maranhão, desde 1977 luta pela emancipação do território étnico de seus ancestrais. Atualmente, é presidente da Associação de Quilombolas que congrega 80 famílias. 

Revendo matérias de jornais maranhenses da década de 1980, logo me deparo com a seguinte notícia do antigo Jornal de Hoje: Querem matar herdeiro de um lavrador''. Passados mais de 30 anos, Xavier e toda sua comunidade ainda não conseguiram ter dias de sossego. Há dois dias, me relatou Xavier que vários homens invadiram as matas do território quilombola, onde, ilegalmente, extraíram vários metros cúbicos de madeira de lei. Meses atrás, revelou-me que estava sendo perseguido por latifundiários da região. Na ocasião, informou que homens armados rondavam os fundos de sua casa. Xavier já recebeu por duas vezes em sua comunidade visita de membros do Programa de Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República. Apesar dos esforços empreendidos pelo programa, Xavier continua ameaçado em sua integridade física, em razão da ineficiência do programa de outras conjunturas.

O Maranhão ocupa, há quatro anos, conforme os dados da CPT, o primeiro lugar nacional de conflitos agrários,  está em segundo lugar no ranking nacional de impunidade no campo, abaixo do vizinho Pará. É um dos estados da federação com maiores números de comunidades quilombolas e apesar do expressivo número de comunidades, o INCRA conta com menos de 5 antropólogos para uma demanda superior a 400 comunidades, muitas destas em conflito histórico com latifundiário, grileiros de terra e mineradora. A autarquia está em frangalhos, tal como  toda a estrutura que deveria garantir aos remanescente das comunidades de quilombo o direito de propriedade de suas terras tradicionalmente ocupadas, conforme estabelece a própria Constituição Federal. 
No atual ritmo de titulação efetuada pelo INCRA, seriam necessários mais de 500 anos para findar com todos os processos demandados por comunidades quilombolas do Maranhão. Por outro lado, bem pertinho de Lago do Côco, a menos de 50 km, a serpente de metal da Vale atravessa com arrogância os trilhos da Estrada de Ferro Carajás, projeto bilionário que leva até o Porto do Itaqui em São Luís muitas toneladas de minério de ferro e soja, para exportação ao dito mercado mundial. E cá reside a contradição: os governos do período de ''democracia'' alegam não haver recursos para titulação de territórios quilombolas, por outro lado, destinam bilhões de reais à mineração, ao agronegócio e toda sua estrutura de produção e logística.


Enquanto isso, quebrando côco babaçu, Xavier Casanova segue sua rotina de luta: acorda de madrugada, vai até a roça, pesca nos igarapés, faz reunião com os trabalhadores, faz garrafadas medicinais, percorre os corredores do INCRA, participa de protestos. Desde 1977. Revelou-me hoje que deseja um pouco de sossego.   

domingo, 20 de julho de 2014

Operação de guerra realiza despejo ilegal e promove prisão de lavradores no Maranhão

Operação de guerra realiza despejo ilegal e promove prisão de lavradores no P.A São Francisco, Bom Jesus das Selvas, Sudoeste do Maranhão, para favorecer a SUZANO PAPEL CELULOSE. Confira artigo de Diogo Cabral, advogado da CPT Maranhão.

 

Diogo Cabral- assessor jurídico da FETAEMA e CPT/MA

 

No último dia 15.07.2014, dezenas de trabalhadores rurais assentados da reforma agrária do P.A São Francisco, município de Bom Jesus das Selvas-Ma, foram brutalmente despejados de suas casas e roças por policiais militares, que deram cumprimento à decisão judicial ilegal prolatada pelo juiz da Comarca de Buriticupu, AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA, em favor de grileiros de terra que arrendaram área pública para a Suzano Papel Celulose.

 

Entenda o caso:

 

Em 2002, após anos de luta pela terra, o INCRA criou projeto de assentamento destinando três mil hectares para 40 famílias. Passados dois anos, em 2004, o ex-deputado federal da Bahia Francistônio Pinto, já falecido, alegou ser dono de parte do P.A e ingressou com ação de reintegração de posse, que culminou com o primeiro despejo contra as famílias de trabalhadores rurais. Após várias perícias, ficou constatado que mais de mil hectares de terras foram apropriadas ilegalmente pelo fazendeiro. Contudo, apesar de todas as evidências, o INCRA pouco fez para reverter a situação de injustiça e violência. Após o primeiro despejo, mais de 20 famílias não conseguiram pagar os empréstimos contraídos juntos ao BND (Pronaf) e até hoje estão com restrição de crédito.

 

Apesar das inúmeras reuniões, realizadas com a Superintendência do INCRA no Maranhão e com a Ouvidoria Agrária Nacional, foi a Suzano Papel Celulose que saiu lucrando com a desgraça das famílias. Da análise documental, chega-se à conclusão que o grileiro e ex-deputado tem apenas 2.000 hectares de terra, contudo, fisicamente, ocupa 3.500 hectares, sendo 1,5 mil hectares do P.A São Francisco. De maneira ilegal, a Suzano Papel e Celulose, visando o abastecimento de sua fábrica em Imperatriz (MA), arrendou 3 mil hectares de terra, sendo destes, 1 mil de terras públicas, para o plantio de eucalipto.

 

Os trabalhadores, cansados de esperar, resolveram reocupar a área grilada pelo latifúndio e reerguer suas casas e plantar mandioca, milho, feijão. Contudo, tiveram que enfrentar um batalhão do Estado composto por PM, juiz e oficial de justiça. Ao invés de levarem justiça, plantaram a mais tenebrosa ilegalidade.

 

Uma decisão com um único sentido: pilhagem!

 

Apesar das diversas manifestações nos autos do processo feito pela Procuradoria Federal do INCRA no Maranhão, que requereu o ingresso na ação de reintegração de posse, realizada em 2008, com parecer favorável do Ministério Público, pela remessa do processo para a Justiça Federal, somente em junho de 2014, decidiu o juiz AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA remeter o mesmo somente em 11 de junho de 2014. Apesar de que, declinada a competência para a Justiça Federal, as decisões tomadas no curso do processo perdem o efeito, o mesmo juiz determinou a realização do despejo. Parte da decisão precisa ser aqui reproduzida, para evindeciar o poder da caneta, mesmo em situaçao de completa ilegalidade:

 

Ante o exposto, fazendo uso do poder geral de cautela no resguardo da efetividade de posterior tutela jurisdicional definitiva e, principalmente, para evitar posteriores confrontos mais intensos, DEFIRO o pedido de revigoramento do mandado de manutenção de posse, no entanto, considerando que o requerente foi esbulhado do imóvel determino a reintegração de posse do imóvel ora em litígio, em favor da parte autora, conforme dispõe o art. 928 do CPC. Fica a parte requerida, ainda, proibida de praticar quaisquer atos de turbação ou esbulho, até ulterior deliberação, sob pena de pagar a multa diária de R$ 100,00 (cinqüenta reais), por pessoa, sem prejuízo da resposta criminal à transgressão da ordem judicial. Havendo resistência ao cumprimento desta decisão, autorizo o uso da força pública. NÃO OBSTANTE, considerando que o INCRA solicita o seu ingresso no feito e, em consequência, o deslocamento do processo à Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal e artigo 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/97, nos termos da Súmula nº 150 do STJ, "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas", cumpridas as determinações possessórias indicadas ao norte, DETERMINO o envio do presente processo à Justiça Federal para que se manifeste acerca de eventual interesse da União no feito e por conseqüência, acerca da competência para processamento de julgamento da demanda. SERVE A PRESENTE DE MANDADO

 

O juiz AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA violou, com grande fúria, normas do processo civil e da Constituição Federal. Ultrapassou seus limites de atuação, pois não poderia mais prolatar decisão no processo em que já não mais tinha competência. Mas decidiu em favor de um único fazendeiro, solapar os direitos humanos à alimentação, moradia e trabalho de dezenas de famílias de trabalhadores pobres.

 

Mais violências:

Durante a operação de guerra, com mais de 50 Pms, que solapou o sonho de lavradores pobres, 4 destes, incluindo uma liderança, foram presos em flagrante, sob a alegação de porte ilegal de arma. Durante boa parte do dia 15.07.14, ficaram incomunicáveis e permanecem presos na 2a Delegacia de Açailândia-Ma, onde aguardam decisão judicial que determine.

 

E a Suzano?

Ao passo que assiste de camarote a destruição de uma comunidade inteira, a Suzano Papel Celulose amplia suas florestas artificiais na região sudoeste do Maranhão, para abastecer sua fábrica na cidade de Imperatriz-Ma, uma das maiores do mundo, e ampliar seus lucros. Financiará várias campanhas eleitorais e cobrará a fatura em forma de acesso a terra (griladas, públicas, etc) e créditos ilimitados para ampliar seus lucros e receitas. Brevemente, pretende em São Luís, capital do Maranhão, construir um porto para escoar sua produção de celulose. Para tanto, terá que desalojar a comunidade pesqueira do Cajueiro, uma história que contaremos em outra oportunidade.

 

E o Sudoeste do Maranhão, como fica?

Nos últimos 30 anos, a região sudoeste do Maranhão foi palco de inúmeras chacinas, vitimando lavradores que resistiram à grilagem de terras. Há, em curso, várias operação de reintegração de posse para despejar as famílias assentadas. Na região, impera o silêncio e a bala. Em 2012, Raimundo Cabeça, por denunciar esquemas de venda de lotes da reforma agrária, foi morto. Trinta anos antes, em 1982, Elias Zi, líder do STTR de Santa Luzia, foi morto em plena luz do dia na feira. Tanto no primeiro, quanto no segundo crime, ninguém foi punido. 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Josué Sabóia , pistoleiro que matou Flaviano Pinto Neto, foi solto

Mais uma decisão oriunda do Poder Judiciário do Maranhão cristaliza a impunidade no meio rural maranhense.
Desta vez, Josuel Sabóia, pistoleiros que participou da morte do líder Quilombola Flaviano Pinto foi solto, após decisão da juíza Jaqueline Rodrigues da Cunha, da comarca de São João Batista- Ma.

 

O processo criminal que trata da execução da liderança tramita há quase 4 anos e esta é mais uma decisão esdrúxula do Poder Judiciário maranhense em relação ao processo.Anteriormente, o juiz Alexandre Lima remeteu, sem fundamento legal, o processo crime para a Justiça Federal. 

Por outro lado, os denunciados como mandantes do crime Manoel Gentil, Tonho de Gentil e agora Josuel Sabóia seguem impunes, livres para continuar matando e mandando matar camponeses!


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Acordos violam o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais


 
 

Cleber Buzatto

Especial para o UOL
No site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), esta semana, se liam duas manchetes sobre a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Na primeira, os Kaiowá e Guarani exigiam a demarcação imediata das terras. A segunda noticiava o trágico dado de 73 suicídios de indígenas no MS, em 2013, o maior em 28 anos.

A relação entre as duas notícias não é acidental. Os Kaiowá e Guarani reafirmam que na falta de terras se encontra a raiz do problema: confinada nas reservas superlotadas, criadas no começo do século XX, o que resta à juventude deste povo?

Há forças políticas que jantam nos salões do Planalto e que defendem a tese segundo a qual os povos indígenas não precisam de terras. No entanto, dizem os jovens Kaiowá e Guarani, “nas reservas não temos mais como caçar e pescar, não se tem mais mata, e isso facilita a entrada de drogas, bebidas alcoólicas e a violência”. E concluem: “Por isso, voltaremos ao território onde temos nossa origem”, completam.

É sob a luz destes dados que se entende a decisão de dona Damiana Cavanhas, uma liderança de 64 anos, de retomar, pela sexta vez, o território tradicional Apyka’i. Desde 1999, a história do Apyka’i é uma sucessão de despejos e reocupações, sempre carregadas de violência: o acampamento já foi atacado pelo menos três vezes, um senhor de 68 anos foi baleado; dois incêndios queimaram os barracos; e oito pessoas estão sepultadas no local, vítimas de atropelamentos e envenenamento por agrotóxicos. Ninguém foi responsabilizado por qualquer desses crimes.

Para que as famílias do Apyka’i tenham direito de permanecer em suas terras, justificam os juízes, será preciso que a Fundação Nacional do Índio (Funai) finalize o procedimento demarcatório. Neste ponto os indígenas e a Justiça Federal concordam: a única solução para os conflitos no Mato Grosso do Sul é a demarcação das terras. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em 2007 entre o órgão indigenista e Ministério Público Federal (MPF), concedia o prazo de três anos para a conclusão dos processos administrativos de identificação e delimitação das terras Kaiowá e Guarani. Passados sete anos, apenas um relatório circunstanciado foi publicado.

O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo se esforça para argumentar que essa demora deve-se ao “ajuste de direitos” para que os ocupantes das terras indígenas não busquem na justiça a anulação dos procedimentos demarcatórios. O governo defende que isto será alcançado pelas chamadas “mesas de diálogo” entre o poder público, os povos indígenas e os “proprietários rurais”.

A proposta dessas mesas foi anunciada após os conflitos na Terra Indígena Buriti, do povo Terena, em 2013, quando o poder judiciário ordenou a reintegração de posse e uma operação de guerra foi articulada pela Polícia Federal, envolvendo a Força Nacional e Polícia Militar, para retirar os indígenas da área. Qual foi o resultado? Oziel Gabriel Terena assassinado pelas forças policiais. Ninguém até agora foi punido pela morte.

A “mesa” instituída após o episódio, que prometia entregar a terra indígena aos terena até dezembro de 2013, adiou mais uma vez, para julho de 2014,  a posição final do governo federal quanto à proposta de indenização aos não-índios ocupantes da área.

Nesta sexta-feira, 30 de maio, os terena rememoram um ano da morte de Oziel Gabriel e o único resultado anunciado pelo ministro Cardozo, resultante deste modelo de demarcação inaugurado em sua gestão, é a redução da Terra Indígena Mato Preto, do povo Guarani, no Rio Grande do Sul, de mais de 4 mil hectares para cerca de 600 hectares.

O ministro celebrou este “ajuste de direitos” como vitória, mas não tardou para que os agricultores da região que se opõem à demarcação anunciassem que não aceitarão tampouco os 600 hectares, e que seguirão com a judicialização da demarcação.

De fato o que existe é uma “decisão de governo” de não demarcar as terras indígenas no Brasil. As ditas “mesas de diálogo” violam o direito fundamental e constitucional dos povos originários às suas terras tradicionais.

A presidente Dilma Rousseff e o ministro Cardozo “jantam” nos palácios do Planalto com líderes do latifúndio. Pelos dados de suicídios anunciados, a conta é muito cara e está sendo paga pela juventude Kaiowá e Guarani.