domingo, 6 de outubro de 2013

A cerca e o arame- Violência no Campo é marca profunda no Maranhão

A negação do direito de comer, de trabalhar e de morar sob um teto são consequências imediatas de centenas de conflitos pela terra e território que transformam o Maranhão numa terra árida de justiça e equidade.

Numa breve análise dos conflitos fundiários em 2013, podemos observar que populações tradicionais, acampados e assentados maranhenses têm forte limitação na produção de alimentos, visto que, em muitos casos, são impedidos de adentrar nas áreas de plantio, devido a presença de homens armados (jagunços ou milícias), da destruição das roças por invasão de animais ( bovinos e caprinos),  pela proibição expressa pelo Poder Judiciário, em liminares que ordenam o despejo das famílias de suas áreas de produção ou por manter latifundiários intocáveis em áreas de conflito.

Dentre as centenas de conflitos agrários que temos acompanhado, podemos destacar, pela gravidade, alguns destes:

1. Na comunidade Vilela, situada entre os municípios de Junco do Maranhão, Boa Vista do Gurupi e Amapá do Maranhão, mais de 100 famílias não podem realizar plantio de alimentos saudáveis, pois o grileiro de terras gaúcho Nestor Osvaldo Finger, com a presença de homens armados, cercou parte da área de plantio das centenas de famílias, impedindo o acesso das mesmas às áreas agricultáveis. Na mesma região, na comunidade São João, uma senhora teve sua casa incendiada criminosamente por grileiros de terra que atuam na região.

2. No quilombo de Santa Maria dos Moreiras, zona rural de Codó, animais do deputado estadual Cesar Pires (DEM), lidera do governo Roseana Sarney na Assembleia, causaram prejuízos robustos aos quilombolas. Várias roças foram destruídas pelos bois do deputado, que importaram num prejuízo de R$ 51.259,20 para as famílias.  Ademais, na localidade, duas casas foram incendiadas, criminosamente, na primeira quinzena de fevereiro. 

3. Ainda em Codó, na comunidade Vergel, a capela foi incendiada em janeiro de 2013, várias espécies vegetais derrubadas para venda clandestina e 12 famílias ameaçadas de morte. O lavrador Antonio Isidio  está impedido de plantar, pois teve sua roça criminosamente incendiada em setembro de 2013. Há menos de 10 dias, dois homens armados foram em sua casa, para "fazer o serviço''. Hoje, Antonio Isidio se esconde para não ser morto.
  
4. Em Livramento, zona rural de Codó, no dia 31 de agosto de 2013, membros da comunidade realizavam pescaria em açude comunitário. Na mesma data, por volta de 10h 30m da manhã, quando já se encontrava em sua residência, o trabalhador rural Francisco dos Santos foi abordado por três policiais militares acompanhados pelo elemento Luiz Carlos da Cruz Muniz, intitulando-se gerente da propriedade do médico Heron Simões, os quais de maneira truculenta lhes dirigiram ofensas morais e em seguida, sem qualquer mandado judicial  lhes deram voz de prisão. Em ato continuo, foi algemado e jogado no interior de um veículo do gerente da propriedade do médico Heron Simões. Os três policiais militares e o gerente conduziram o lavrador Francisco das Chagas Ferreira dos Santos,  ainda algemado, até o prédio da 9ª Companhia Independente da Policia Militar de Codó-MA. Durante o percurso da comunidade até o batalhão, o lavrador foi ameaçado de morte, além de sofrer severas humilhações, feitas pelo tenente Ronaldo Moura, comandante da companhia e pelo gerente da fazenda, que anunciaram que iriam destruir todas as casas da comunidade. Além da tortura psicológica e das veladas ameaças de morte, o lavrador Francisco passou mais de seis horas algemados, mesmo sem oferecer qualquer perigo, e sem nenhum mandado de prisão. Em 3 de setembro de 2013, foi concedida liminar de manutenção de posse ao suplente de Vereador Heron Simões, decisão esta que impede o plantio de alimentos pelas famílias pobres da comunidade.

5. No território de Campestre, zona rural de Timbiras, a liderança Brechó sofreu tentativa de homicídio, quando três tiros foram disparados contra sua pessoa por desconhecidos, no dia 16.02.2013. Além, há forte atuação de madeireiros, que destroem o cerrado, numa das poucas áreas preservadas da região dos cocais.

6.No quilombo Depósito, município de Brejo, em 26 de janeiro de 2013, tratores começaram a realizar o desmatamento em território pertencente à comunidade, além de realizarem o gradeamento da área. Segundo informações obtidas junto aos funcionários da fazenda, a área está sendo preparada para plantio de cana de açúcar. Consta assinalar que a área teria sido arrendada pela proprietária Maria Vitória Fortes Lages Cavalcante a gaúchos (como são conhecidos todos os latifundiários do Centro-Sul do país que vêm se instalando na região) para a realização desse plantio. As lideranças quilombolas informam que pessoas a mando dos arrendatários da propriedade(ainda não identificados) estão armadas com rifles e outras armas de fogo, ameaçando-os e matando os pequenos animais de criação dos quilombolas. Os mesmos tentaram registrar boletins de ocorrência na delegacia local e apresentar denúncia na promotoria de justiça da comarca, mas não lograram êxito em virtude das reiteradas ausências do delegado e do promotor de justiça.

7.No quilombo Aldeia Velha, Pirapemas, gado bovino de fazendeiros da região de Pirapemas destruíram, por mais de 5 vezes, todas as roças dos quilombolas. Em maio de 2013, um paiol de babaçu foi incendiado criminosamente e no começo do ano, uma casa de uma família foi devastada pelo fogo, de maneira criminosa. Em 31 de janeiro de 2013, por ter abatido um dos animais do fazendeiro, que destruía mais uma vez toda sua roça, o quilombola Zé da Cruz foi preso, humilhado e torturado por policiais militares do Maranhão, lotados em Pirapemas.

8. Na comunidade Santa Rosa/Bacabal, zona rural de Urbano Santos, jagunços, em abril de 2013, incendiaram duas casas de trabalhadores rurais. Não satisfeito, retornaram em junho de 2013, armados e com várias bananas de dinamites, tentaram explodir várias moradias, contudo, foram detidos pelas famílias camponesas e presos em flagrante.

9.Em Morros, quatro lavradores da comunidade Fineza estão jurados de morte por grileiros de terra, inclusive um destes é policial militar do Maranhão. Duas lideranças sofrem perseguições dia e noite.

10. Em Alto Alegre do Maranhão, na comunidade Arame, jagunços da Fazenda Caxuxa Agropastoril, a bordo  de um helicóptero, levaram terror para as famílias de lavradores em junho de 2013.

11. Ainda em Alto Alegre do Maranhão, na comunidade Campo do Bandeira, em 14 de setembro de 2013, jagunços da Fazenda Caxuxa Agropastoril invadiram a comunidade e durante todo o dia, dispararam mais de 100 tiros contra 55 famílias, provocando a destruição de toda a localidade.

12. Em João Lisboa, no Acampamento Cipó Cortado, no dia 27/09/2013 pela manhã, 03  carros com homens armados compareceram à área  coordenada pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de João Lisboa (STTR-JL). A mencionada área se situa na gleba Boca da Mata/Barreirão, pertencente à União Federal, e nela há também outro acampamento, coordenado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).De dentro dos carros que estacionaram nas proximidades do acampamento do STTR-JL saíram vários homens armados com pistolas, carabinas e espingardas. Alguns deles estavam encapuzados e vestiam coletes à prova de balas. Alguns dos homens são policiais militares conhecidos na região, e foram reconhecidos pelos trabalhadores rurais. Os homens chegaram tocando fogo em casas e ameaçando as pessoas que estavam no local. Por conta das agressões e do pequeno número de trabalhadores que estava no local naquele momento, estes optaram por recuar. 

13. Cerca de 50 madeireiros invadiram a aldeia Gurupiuna, na Terra Indígena Alto Turiaçu, do povo Ka’apor, município de Centro do Guilherme, norte do Maranhão. Na aldeia, invadida em 26.08.2013, vivem sete famílias, num total de 48 pessoas. Na invasão, os madeireiros agrediram o indígena Gonito Ka’apor que tentou registrar ocorrência na cidade de Governador Nunes Freire, mas não conseguiu porque o delegado responsável não estava. No ato da invasão da aldeia Gurupiuna, os invasores amarraram e bateram em indígenas, saquearam plantações e levaram animais. Ainda segundo informações dos indígenas, os madeireiros queimaram duas casas. Os Ka'apor denunciam também o desaparecimento de uma indígena Awá, próximo ao rio Turi, perto da aldeia Cocal. Desde julho os indígenas Ka’apor, da aldeia Zé Gurupina, comunicavam a ação dos madeireiros, que se organizavam para atacar a terra indígena por conta da Operação Hiléia, que fechou várias madeireiras e apreendeu vários caminhões na região. 

14. A reduzida etnia Awá Guajá também luta para permanecer em seu território, ocupado por madeireiros ilegais que estão dizimando a população indígena local. É considerada pela Survival International a tribo mais ameaçada do mundo. Parlamentares do Maranhão, especialmente Weverton Rocha (PDT), Simplício Araújo (SDD) e Chiquinho Escórcio articulam para que grileiros, fazendeiros e madeireiros permaneçam dentro do território tradicional Awá Guajá.

Somando-se a este quadro social extremamente violento, a redução das áreas de plantio, associada com o avanço dos monocultivos em várias regiões do Maranhão ( o Maranhão é o quinto produtor nacional de soja!), além dos longos períodos de estiagem vividos intensamente nos últimos dois anos aumentaram, assustadoramente o preço de vários alimentos, que fazem parte da mesa do maranhense: a tradicional farinha custa, em algumas feiras da capital, São Luís, 9 reais o quilo ( há 3 anos, não chegava a 5!); em Caxias, 1 kg de feijão abafado custa pelo menos 8 reais; a tradicional galinha caipira não é encontrada por menos de 25 reais.

Estas graves violações têm como ancoradouro a morosidade dos governos federal e estadual em desapropriar áreas para a Reforma Agrária, o descaso em agilizar o processo de identi­ficação, demarcação e homologação de terras quilombolas e de índios, bem como o estímulo desenfreado ao avanço do agronegócio, decisões do Poder Judiciário do Maranhão, que desalojam milhares de famílias, mandando-as para o desterro, além da forte pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional e Assembleia Legislativa do Maranhão( que congrega os grupos de Flávio Dino e da Família Sarney), cujos projetos de leis objetivam acabar de vez com a reforma agrária neste país.

O Maranhão hoje é o recordista nacional em conflitos agrários, ultrapassando o vizinho Pará pelo segundo ano consecutivo.


A face hedionda do agronegócio não se restringe aos assassinatos, tentativas de homicídios, incêndio de casas e capelas e torturas contra trabalhadores rurais. A fome no mundo é percebida pelas instituições multilaterais, pelos governos e pelas empresas privadas transnacionais mais vezes como um negócio e voto do que como uma questão de humanidade humilhada pela fome e a desigualdade social. Eis o caso do Maranhão. 

Nossa fome, hoje, não é apenas a fome de farinha!

Povo Ka’apor



Mobilização de 6 mil trabalhadores rurais no Grito da Terra Maranhão 2013

Milicianos que atacaram o acampamento Cipó Cortado

Cápsulas apreendidas na Comunidade Campo do Bandeira



2 comentários:

  1. essa luta contra estes latifundiários e contra este governo corrupto é de todos nós...povos do campo, da cidade, trabalhadores e estudantes!!

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    1. Com toda certeza. Uma luta dos homens e mulheres de bem, que clamam por Justiça!!!

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